Discurso oficial de abertura do Novo Ano na Nova Babilónia
Cidadãos do mundo:
Se houver alguém que ainda duvide que a Nova Babilónia é o lugar onde tudo é possível; que ainda questione o sonho dos nossos fundadores; que ainda se questione sobre o poder da nossa nova ordem global, hoje tem uma resposta.
Uma resposta dada em números e não em palavras.
Ninguém acreditou em nós quando afirmámos que os produtos agrícolas geneticamente modificados alimentariam o mundo, que os pesticidas eram os melhores amigos dos homens e das plantas, e que a resposta a todas as nossas orações estava na tecnologia e no mercado livre.
Fomos os únicos que acreditámos sem medo no “business as usual”, quando todos os outros se ocupavam em construir cenários apocalípticos e visões catastróficas do planeta.
Nos primórdios desta nossa luta, obrigámos cada turista a plantar uma árvore geneticamente modificada por cada viagem de longa distância, árvores que podiam ser compradas em aeroportos ou estações de serviço, ou ainda ser plantadas por outrem por pouco mais do que o preço de um semanário.
O mundo não é perfeito e nunca existirá igualdade entre os povos, e é na compreensão de que o Homem é um predador (ou uma presa) natural, na aceitação de que a sociedade não é mais do que uma colecção de indivíduos que partilha mais diferenças do que semelhanças, que reside o nosso contínuo sucesso.
Hoje, todo o ar, toda a água e toda a terra estão privatizadas com o único propósito de servir, nas quantidades necessárias, toda e cada família deste planeta que cumpra, naturalmente, os seus deveres para com a Nova Babilónia.
Não é sem orgulho que anunciamos que as nossas refinarias de oxigénio milenar estão prontas, garantindo que o oxigénio não faltará a ninguém. Hoje, a chegada da Primavera pode ser provocada, 2, 3, 4 vezes por ano, garantindo uma produção agrícola constante e a procriação apropriada dos animais, enquanto o Inverno pode agora ser concentrado em poucos dias e apenas em algumas regiões, através de intervenções geológicas e calculados desvios do curso de certos rios.
Hoje, todas as formas de vida na Terra são patenteadas (e, em breve, também o sol e os recém-nascidos) e todas têm uma função. Nada é desperdiçado: Nem coisas, nem tempo nem pessoas, mesmo quando mortas.
Hoje, somos uma sociedade rica que vive sobretudo na Nova Babilónia, nas margens do Novo oceano ex-glaciar Árctico. Somos o admirável mundo novo, o sonho dos nossos antecessores, o paraíso mais sofisticado alguma vez construído na Terra, protegido por muros de 50m de altura e com acessos invioláveis. Hoje temos connosco os melhores especialistas em todas as áreas da economia e da ciência enquanto concentramos a zona rural do mundo na Eurábia, que nos fornece alimento e matéria-prima, e a zona industrial, na Eurásia.
Hoje podemos dizer com orgulho que atingimos o nível de produção mais elevado da História, equivalente a 35 planetas, um objectivo inimaginável para os nossos avós, sempre excessivamente preocupados com limites, os seus e os da Terra. O mundo é hoje, sem sombra de dúvida, um lugar fantástico mas ainda nos restam alguns desafios:
A título de exemplo, os trabalhadores dos serviços menos agradáveis são ainda um mal necessário. As máquinas ainda consomem mais do que simples operários e ainda é mais barato contratar pessoas em vez de robots.
Mas tal não será assim por muito tempo: A fundação Craig Venter encontra-se a desenvolver novas e radicais bactérias que conseguem reproduzir variadíssimas actividades químicas necessárias à indústria, como fixar carbono de forma particularmente eficiente, reproduzir hidrogénio, ou a transformar nitrogénio em amoníaco: Espera-nos uma verdadeira revolução microbiológica e cedo teremos todos os micróbios do planeta ao nosso serviço; o maior sucesso é já o Pigeon d’or, detergente para produtos cosméticos e produtos de limpeza variados. Alimentando os pombos com bactérias inofensivas (tal como fazemos aos homens quando lhes damos iogurtes para comer) poderemos transformar a sua merda em desinfectante da mais alta qualidade.
É por todas estas boas novas que hoje celebramos todas as reformas anteriores mas também apresentamos novas e mais radicais medidas para garantir um futuro sempre melhor. Aqui anunciamos algumas das mais importantes:
— Triplicaremosos subsídios dos exércitos privadose de todas as empresas de segurança que protegem as nossas florestas, as nossas minas de lixo e as nossas centrais financeiras, evitando, assim, qualquer disrupção no Mercado;
— Uma nova e milionária indústria de alcoviteiras profissionais será apoiada para que nenhum homem fique sem mulher, com vista a uma procriação humana sustentável, dependendo da região em que habitam, ou seja: aumento de apoios e prémios a quem queira ter mais de 2 filhos na Eurábia ou na Eurásia (onde é necessária mão de obra em maior quantidade) e manutenção da política de filho único para quem vive no Centro da Nova Babilónia (mas é evidente que não impediremos ninguém de emigrar para as zonas mais pobres do mundo e de se juntar à classe, caso decidam ter maior número de rebentos matrimoniais);
— O tratamento de doenças crónicas é proibido, mas, em contrapartida, a eutanásia será legal e estará acessível a todos os doentes que se sintam um fardo para a sociedade;
— O Comité de Saneamento, criado em 2020 com o objectivo de seleccionar os sectores da sociedade, da vida animal e da vida vegetal, que devem ser exterminados, será inteiramente automático, impossibilitando qualquer intervenção moral na escolha daquilo ou daqueles que devem desaparecer de forma permanente da face da Terra. Como resultado de decisões anteriores deste comité, todos os estudos artísticos e culturais serão cancelados este ano. Arte e cultura serão praticadas apenas em lares para idosos, escolas, estabelecimentos prisionais ou hospitais psiquiátricos, únicos lugares onde podem ser de alguma utilidade;
— Em breve, a escolaridade deixará de ser obrigatória e as aulas passarão a ser leccionadas por psiquiatras em vez de professores.
Sabemos que o caminho a percorrer ainda é longo e que a caminhada será íngreme.
Mas onde uma plantação de bananas for destruída, vitaminas e minerais serão distribuídos gratuitamente, onde a água for racionada, uma indústria de perfumes florescerá, onde alguém fizer greve, companhias privadas de segurança serão convocadas para terminar o protesto de imediato e garantir que a indústria continue a produzir para que vocês, caros consumidores, possam continuar com a vossa vida enquanto nós, vossos governantes, tomamos conta de todas as vossas necessidades.
É por tudo o que vos dizemos hoje que vos pedimos para não perderem muito tempo a questionar todas as medidas que vos propomos, nem as nossas intenções, mas que se juntem a nós nesta desmesurada tarefa de refazer o mundo da única forma possível: bloco a bloco, tijolo a tijolo, semente a semente, mão a mão.
Nunca nos podemos esquecer: Nós somos o Ocidente, o 1% que manda no mundo, a minoria que pode comer carne e peixe, os únicos que chegaram ao topo por não terem temido dizer: YES, WE CAN!
E para terminar, deixamos-vos com estas palavras de Mao Zedong, um colega empresário do século passado:
“Reina a desordem debaixo dos céus, a situação é excelente”.
O G1 das principais corporações da Nova Babilónia